E se você ganhasse uma partida toda vez que a perdesse? Ficou curioso ou confuso? Então se liga aí: existe uma variante de xadrez na qual o vencedor é aquele que consegue perder todas as suas peças, incluindo o rei!
Você leu direito, é isso mesmo, nesse xadrez para ganhar é preciso entregar todas as peças. Trata-se do Antixadrez, mas não se engane! Apesar de parecer simples, é uma das variáveis de xadrez mais complexas e competitivas.
História
A origem exata da variante não é conhecida, mas acredita-se que possua como antecessor uma variante chamada Take Me, que pode ser traduzido como “Capture-me”. Há registros que esta já era jogada em 1870, e apesar de ter ficado popular em algumas regiões da Europa, o cenário de competição era amador, mesmo entre os melhores jogadores, já que não havia ainda uma teoria bem desenvolvida.
No início do século XX, várias variantes do Take Me começaram a ser difundidas, dando origem às frequentes divergências de regras encontradas em diferentes partes do mundo e por diferentes instituições. Problema essa que, apesar de amenizado, ainda é atual.
Durante o período “amador” do Antixadrez, um jogador e escritor foi fundamental para divulgação e difusão da modalidade: Pritchard (1919-2005) foi um verdadeiro entusiasta, não só do desta variável, mas de muitas outras, além de outros esportes similares ao xadrez, como go, shogi e xiangqi. Em uma de suas principais obras: A Enciclopédia das Variantes de Xadrez (1994), ele descreveu mais de 1400 variantes diferentes, mas foi com Variantes Populares de Xadrez (2000), que ele popularizou a variante principal do Antixadrez em detrimento das demais.
Apesar disso, a grande onda de popularidade que estabeleceu o Antixadrez só ocorreu na virada do século XXI, quando o FICS (Free Internet Chess Server) – que era um dos principais servidores de xadrez online, ao lado do ICC (Internet Chess Club) – incorporou a variante em sua plataforma. Com isso diversas engines e bases de dados foram desenvolvidas, diversos materiais sobre tática e estratégia foram publicados e a teoria das aberturas do antixadrez finalmente começou a se desenvolver.
Regras
Como já mencionado, existem uma variedade de conjuntos de regras para o Antixadrez, permitindo a existência de variantes completamente diferentes. A principal divergência de regras é sobre o que ocorre em caso de afogamento. Dito isso, descreveremos aqui as regras da variante principal e mais jogada (LC1 – Regras Internacionais):
As regras são as mesmas do xadrez, exceto por:
-Captura é obrigatória;
-Quando houver mais de uma opção de captura, o jogador poderá escolher qual peça capturar;
-O rei não possui valor real, ou seja, é como uma peça qualquer. Assim:
-Pode ser capturado como qualquer outra peça;
-Um peão pode ser promovido a rei;
-Não há xeque ou xeque-mate (uma vez que o rei é apenas uma peça ordinária, não sendo ele obrigado a se defender ou fugir);
-Não há roque.
-Em caso de afogamento (ausência de movimentos legais), o vencedor será aquele que tiver ficado sem lances possíveis.
-Além das regras tradicionais de 50 movimentos, tripla repetição e empate por comum acordo, o jogo poderá terminar empatado também quando for impossível para qualquer dos jogadores vencer (ex: final de apenas bispos de casas de cores opostas).
Vencendo no Antixadrez
Pelas regras internacionais, vence o jogador que ficar sem movimentos possíveis, o que inclui tanto a perda de todas as suas peças, como o afogamento.
Devido ao menor número de linhas de jogadas no antixadrez (comparado ao xadrez tradicional e outras variantes) e a regra de captura obrigatória, as partidas podem terminar de forma relativamente rápida, uma vez que um pequeno deslize pode causar uma grande cascata, cominando em sua derrota, uma vez que jogadores experientes conseguem se aproveitar desses erros para criar sequencias de captura forçada.
Uma dessas sequências começa com 1. e4?? . Isso mesmo, o lance mais jogado pelas brancas no xadrez tradicional é um blunder no antixadrez, permitindo uma sequência de capturas forçadas e consequente vitória das pretas.
No Brasil e no mundo
Atualmente a variante mais jogada é a de regras internacionais (LC1), aqui descrita, cuja principal plataforma principal é o Lichess – um dos maiores servidores atuais de xadrez. Segundo o banco de dados deste, diariamente milhares de partidas são jogadas em diversos ritmos de tempo, por centenas de jogadores. São aproximadamente 150.000 jogos por mês e aproximadamente 10.000 jogadores ativos por semana.
Além disso, é também através do Lichess.org que são organizados os torneios mundiais de antixadrez desde 2018. O campeão mundial desde então é o sérvio FM Vladica Andrejić (2227 FIDE STD e 2416 Lichess AC), que ao bater duas vezes o turco Emirhan Oğul (Lichess AC 2335) em 2018 e em 2019, em duas finais disputadas, se tornou bicampeão mundial e o jogador mais relevante do cenário mundial. No primeiro encontro dos dois, o Mestre FIDE faturou o título em um match apertadíssimo que terminou com o placar de 21 a 19. Já na segunda vez, ao defender seu título em um match mais curto, o FM Vladica novamente levou a melhor, dessa pelo placar de 7 a 5.
No Brasil, um dos jogadores mais relevantes é o LM Eduardo Lucas Lorenzon (2092 FIDE STD e 2049 Lichess AC), conhecido por figurar no top 100 de todas as variantes do Lichess, além de ser o Nº1 de outra variante: Xadrez Atômico.
No antixadrez, LM Eduardo teve um pico de 2157 de rating no Lichess, quando esteve entre os 50 melhores jogadores do mundo.
O nick dos jogadores até aqui citados:
FM Vladica Andrejić: Arimakat
Emirhan Oğul: Ogul1
LM Eduardo Lucas Lorenzon: Fast-tsunami
Vantagens de praticar o Antixadrez
Podemos citar, entre as principais vantagens da pratica do antixadrez, os benefícios à saúde. Isto é, assim como o xadrez e outros jogos e variantes que exercitam o cérebro e a inteligência, o antixadrez proporciona a longo prazo melhora de habilidades cognitivas, como a concentração e memória, além de, segundo alguns estudos, melhorar a capacidade de tomada de decisões. Há também indícios de que sua prática previne a doença de Alzheimer e outras demências.
Esses são benefícios gerais, que não são exclusivos do antixadrez e podem ser obtidos com a prática de atividades que treinem ou desenvolvam o cérebro. Mas quais benefícios a prática do antixadrez traz para o jogador de xadrez tradicional?
Devido as suas peculiaridades, essa variante proporciona ao enxadrista ter uma atenção maior sobre as peças protegidos e desprotegidas, bem como as ameaças por todo tabuleiro. Além disso, o antixadrez força o jogador a fazer cálculos mais profundos com grandes sequencias de capturas, uma vez que um pequeno ou superficial cálculo frequentemente levam a linhas inesperadas já que as linhas são muito mais forçadas do que no xadrez tradicional. Assim, essa variante pode ser usada como um treino para aqueles que preferem o clássico.
É interessante observar que muitos jogadores de elite e titulados do xadrez não se dão bem no antixadrez. Isso porque eles não conhecem profundamente a teoria dessa variante, que por sinal é completamente diferente do que eles estão acostumados. Da mesma forma, muitos jogadores com rating FIDE relativamente baixo conseguem ser bem-sucedidos, o que mostra que apesar de ter o mesmo tabuleiro e peças, o antixadrez e o xadrez são praticamente esportes distintos. Então se você não se considera um bom jogador de xadrez, vale a pena dar uma chance ao antichess, e se você se considera, não custa nada se aventurar nesse novo desafio.
Como treinar
A maior parte do conteúdo de antixadrez que está disponível na internet está em inglês e os principais livros e manuais são pagos, como o The Ultimate Guide to Antichess, de autoria do campeão mundial FM Vladica Andrejić.
Entretanto, existem alguns manuais extremamente acessíveis na plataforma do Lichess.org . O estudo abaixo, por exemplo, me ajudou a chegar em algumas semanas em um rating a cima de 2000.
Sua vez!
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Sobre o Autor
Jogador e estudioso de xadrez e anti-xadrez.
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